Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia
versão impressa ISSN 1809-9823
Rev. Bras. Geriatr. Gerontol. v.10 n.3 Rio de Janeiro 2007
Aspectos genéticos do envelhecimento e doenças associadas: uma complexa rede de interações entre genes e ambiente
A GENÉTICA DO ENVELHECIMENTO
Genetics aspects of aging and related diseases: a complex network of interactions between genes and environment
Maria Gabriela Valle Gottliea
Denise Carvalhob
Rodolfo Herberto Schneiderc
Ivana Beatrice Manica da Cruzd
Resumo
O envelhecimento é um processo dinâmico, no qual ocorrem modificações do nível molecular ao morfo-fisiológico, logo após a maturidade, que induzem ao declínio orgânico, aumentando a susceptibilidade e vulnerabilidade a doenças e à morte. A genética do envelhecimento dedica-se ao estudo da contribuição hereditária da espécie e sua interação com o ambiente, que incidem no aumento de modificações biológicas ao longo do tempo. Fez-se uma revisão sobre estudos realizados na área e que sugerem que o envelhecimento está sob um controle genético-ambiental. Exceto em síndromes, a contribuição genética, tanto para o tempo de vida quanto algumas doenças crônicas (Alzheimer, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus tipo 2), é relativamente baixa. Este fato demonstra que fatores ambientais, como estilo de vida e dieta, desempenham papel fundamental no fenótipo do envelhecimento. Ou seja, a genética não é uma rota determinística, e cada vez mais pode ser manipulada em benefício da saúde. Além disso, o conhecimento da genética do envelhecimento e doenças associadas proporciona, cada vez mais, a elaboração de instrumentos clínicos para o benefício das pessoas idosas.
Palavras-chave: envelhecimento; processos fisiológicos; suscetibilidade; vulnerabilidade; genética médica; estilo de vida; dieta; fenótipo; revisão [tipo de publicação]
Abstract
Aging is a dynamic process, when changes occur from the molecular to the morfo-physiological level, after maturity, leading to the organic decline, increasing susceptibility and vulnerability to diseases and to death. The genetics of aging studies the hereditary contribution of species and interaction with environment, causing biological modifications along time. It is a review of studies on this subject, suggesting that aging is under a genetic-environmental control. Except for syndromes, the genetic contribution such as life span and some cronic diseases (Alzheimer, cardiovascular diseases and diabetes mellitus type 2) is relatively low. This shows that environmental factors, such as life style e diet, play a fundamental role on aging phenotypes. Genetics is not a deterministic route, and more and more it can be manipulated on behalf of health. Moreover, knowledge on the genetic of aging and associated diseases will provide more clinical instruments to benefit elderly people.
Key words: aging; physiological processes; susceptibility; vulnerability; genetics, medical; life style; diet; phenotype; review [publication type]
EXISTE DIFERENÇA ENTRE DESENVOLVIMENTO E ENVELHECIMENTO?
O organismo humano, desde sua concepção até a morte, passa por diversas fases: desenvolvimento, puberdade, maturidade ou estabilização e envelhecimento. E de maneira semelhante às outras fases do desenvolvimento, o envelhecimento também é marcado fundamentalmente por uma série de mudanças que vão desde o nível molecular até o morfofisiológico. Essas mudanças têm início relativamente cedo, ao final da segunda década da vida, perdurando por longo tempo pouco perceptível, até que surjam, no final da terceira década, as primeiras alterações funcionais e/ou estruturais atribuídas ao envelhecimento.3
Em animais complexos, incluindo os seres humanos, o processo de envelhecimento é inexorável. Tal processo condiciona a um progressivo decréscimo na capacidade fisiológica e na redução da habilidade de respostas ao estresse ambiental, levando a um aumento da suscetibilidade e vulnerabilidade a doenças.24
A par dessas evidências, somente na segunda metade do século passado é que o estudo do envelhecimento e doenças associadas abandonou a província das especulações, e os estudos experimentais e clínicos multiplicaram-se. Em seguida, muitos aspectos do envelhecimento e do idoso passaram a ser discutidos e mais bem conhecidos, permitindo, então, que o estudo aprofundado do fenômeno envelhecimento passasse para ramo central do desenvolvimento científico. A fisiologia celular e a compreensão da imensa rede interconectada do genoma humano têm demonstrado que o fracasso em manter a eficácia de toda a maquinaria que constitui o organismo vivo é um fator inerente ao seu desenho evolutivo, mas não impossível de ser manejado.
Neste sentido, um questionamento feito freqüentemente é se existiria diferença entre desenvolvimento e envelhecimento? Considerando que no momento da fecundação o organismo passa a se autodeterminar, em termos de crescimento e morfo-diferenciação, e assim continua ao longo do seu amadurecimento e reprodução, o envelhecimento seria a última etapa do desenvolvimento.
Entretanto, muitas vezes o termo desenvolvimento é utilizado para identificar todas as mudanças que parecem conduzir a um aumento e eficácia do funcionamento de um organismo. O termo envelhecimento, embora seja difícil estabelecer uma definição conceitual, é freqüentemente empregado para descrever as mudanças morfofuncionais ao longo da vida, que ocorrem após o período reprodutivo sexual e que progressivamente comprometem a capacidade de resposta dos indivíduos ao estresse ambiental e à manutenção da homeostasia.18 Finch7 ressalta que o envelhecimento apresenta, como única característica universal, a observação dessas mudanças ao longo do tempo, independentemente de terem ou não efeito deletério sobre a vitalidade e longevidade. O termo envelhecimento também é usado para descrever virtualmente todas as mudanças dependentes do tempo às quais as entidades biológicas, das moléculas aos ecossistemas, são sujeitas, embora os mecanismos e conseqüências para a função possam ser bastante diferentes.18
Em revisão sobre a biologia do envelhecimento, Troen24 descreveu que existiriam dois tipos de envelhecimento: o biológico normal e o usual. O envelhecimento normal envolve as mudanças biológicas inexoráveis e universais, características do processo, tais como cabelos brancos, rugas, menopausa, perda da função renal, etc. Entretanto, no envelhecimento usual, além destas alterações biológicas, observamos o aumento da prevalência de doenças crônicas. Essas doenças se originam do acúmulo de danos, ao longo da vida, oriundos sobretudo da interação entre fatores genéticos com hábitos não-saudáveis, como uma dieta desbalanceada, tabagismo, etilismo e sedentarismo. Um estilo de vida inapropriado acaba aumentando a ineficiência metabólica, que contribui substancialmente para a quebra da homeostasia corporal. Tal fato torna o indivíduo pouco a pouco mais suscetível a lesões orgânicas, culminando no desencadeamento de patologias associadas. Adicionalmente, a alteração da homeostase em indivíduos idosos é provavelmente o resultado de um programa genético que determina uma maior ou menor suscetibilidade e vulnerabilidade a doenças, e em última instância, a morte. Dentre as patologias associadas à idade, a doença cardiovascular é uma das principais representantes do cenário usual de doenças associadas ao envelhecimento. Esta constatação pode ajudar na identificação de causas intrínsecas (genes) e extrínsecas (ambiental) que afetam de maneira singular e diferencial o processo de envelhecimento em cada indivíduo.
O estudo da genética do envelhecimento surge como mais uma ferramenta imprescindível para ajudar a montar o quebra-cabeça complexo e intricado que é o processo de envelhecimento e morte de um organismo. O estudo abrange a análise de padrões de herança que determinam a variação na amplitude de tempo de vida e o desenvolvimento de doenças crônico-degenerativas associadas.
Dentro da genética do envelhecimento existem três importantes focos de estudo com abordagens inter-relacionadas, as quais podemos citar:
1. estudo da herança genética familiar: os estudos em genética humana são mais difíceis de serem realizados do que em animais inferiores e em plantas, devido a uma série de questões éticas e metodológicas envolvidas, mas em estudos familiares, sobretudo com gêmeos, tanto monozigóticos quanto os dizigóticos, é possível verificar que os princípios da hereditariedade também têm validade com relação ao modo de transmissão de inúmeros caracteres humanos. A hereditariedade é uma força conservadora que confere estabilidade a sistemas biológicos. Contudo, nenhum mecanismo composto de moléculas e sujeito aos impactos e interferências do ambiente pode ser perfeito. Com isso é possível produzir seqüências alteradas de DNA-Mutações que são perpetuadas.5
Entre os princípios mais importantes da hereditariedade estão os de que o fluxo de informações do genótipo para o fenótipo é unidirecional e que as unidades hereditárias transmissíveis mantêm sua identidade de geração para geração. Contudo, o ambiente pode interferir na transmissão dos caracteres hereditários e induzir a variação. Assim, a não-linearidade da resposta de alguns genótipos à mudança de ambiente resulta na existência de fenótipos distintos como produtos dessa interação. Isso explica por que muitas doenças crônicas (Alzheimer, doenças cardiovasculares e diabetes mellitus tipo 2) têm herdabilidade relativamente baixa, menos de 40%.6,25 Os estudos com gêmeos e de história familial fornecem informações valiosas em relação ao padrão de herança de determinada característica (ligada ao sexo, autossômica dominante ou recessiva, etc.), a distribuição das freqüências alélicas e genotípicas dentro de uma população, mas, acima de tudo, contribui imensamente para o entendimento das doenças crônico-degenerativas que afetam o segmento idoso.
2. estudo das modificações epigenéticas do envelhecimento: refere-se ao estudo de mudanças na expressão gênica que ocorrem sem uma mudança na seqüência de DNA. Pesquisas têm mostrado que mecanismos epigenéticos proporcionam um controle transcricional extra, que regulam o modo como os genes são expressos. Esses mecanismos são componentes críticos no crescimento e desenvolvimento normal das células. O genoma humano contém 23.000 genes que devem ser expressos em células específicas em tempo precisos. Mudanças estruturais da cromatina influenciam a expressão gênica: genes são inativados quando a cromatina está condensada (silenciosa); genes são ativados quando a cromatina está aberta (ativa). Estes estados dinâmicos da cromatina são controlados por padrões epigenéticos reversíveis, como metilação do DNA e modificações em histonas.21,4 Diversos estudos têm mostrado que anormalidades epigenéticas estão envolvidas no câncer, desordens genéticas e síndromes pediátricas, bem como contribui para doenças auto-imunes e envelhecimento.20
3. estudo da expressão de genes associados ao envelhecimento: em humanos, o estudo da expressão de genes associados ao envelhecimento está amplamente direcionado para genes mutados, que são responsáveis pela aceleração do processo de envelhecimento, do que genes que podem retardar esse processo. A existência de doenças geneticamente herdáveis que manifestam vários fenótipos do envelhecimento são conhecidas há bastante tempo. Tais distúrbios genéticos são denominados de síndromes progeróides, porque elas aceleram alguns, mas não todos, os sinais do envelhecimento normal (Tabela 1). As síndromes progeróides são causadas por mutações em um gene que está envolvido em um ou mais processos de manutenção e integridade do genoma (replicação, reparo, transcrição e recombinação) para a manutenção somática durante o envelhecimento. Alguns genes são importantes candidatos associados ao envelhecimento, como mostra a tabela 1.
Tabela 1 - Características gerais de síndromes progeróides e as patologias associadas ao envelhecimento precoce em humanos.12,13,14,15
Síndrome Progeróide
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Herança
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Defeito genético
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Expectativa de Vida Máxima (anos)
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Patologias Associadas ao Envelhecimento
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Alterações Celulares
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Alterações Moleculares
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Síndrome de Werner
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Autossômica Recessiva
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Mutação no Gene WRN (família das helicases)
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60
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Atrofia da pele, perda de cabelo, atrofia muscular, osteoporose, aterosclerose, catarata, diabetes, hiperlipidemia, hipogonadismo e câncer.
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Rearranjo cromossômico, capacidade reduzida de replicação celular, desenvolvimento lento,
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Aumento da taxa de mutação,rápido encurtamento dos telômeros, replicação e reparo do DNA defeituosos.
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Hutchinson-Gilford-Progeria
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Autossômica Dominante
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-
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25
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Atrofia da pele, perda da gordura subcutânea, perda da massa óssea, aterosclerose, hipogonadismo
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-
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Reparo do DNA defeituoso
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Síndrome de Down
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Esporádica
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Trissomia do 21
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70
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Amiloidose, Alzheimer, doença vascular, leucemia, diabetes, catarata, hipogonadismo
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Elevada síntese do precursor da proteína amilóide (APP), reparo do DNA defeituoso.
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Síndrome de Cockayne
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Autossômica Recessiva
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Mutação no gene Cs-B uma ATPase da famíla Swi2. Mutações em genes da famíla das helicases.
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40(?)
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Perda da gordura subcutânea, fotosensibilidade na pele, neurodegeneração, hipogonadismo.
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Sensível aos raios UV.
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Falha na transcrição e no reparo de nucleotídeos excisados.
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Ataxia
Telangietacsia
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Autossômica Recessiva
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Perda da ATM, uma proteína kinase do PI-3
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40-50
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Neurodegeneração, imudeficiência, câncer, alterações oculocutâneas, telangiectasias, hipogonadismo.
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Interrupções no reparo ciclo celular, rearranjo cromossômico, sensibilidade a radiação ionizante, reduzida capacidade replicativa.
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Encurtamento telomérico, defeitos no reparo do DNA.
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No ser humano é muito difícil separar a genética do envelhecimento, da genética da longevidade. Isto porque os diferentes genes envolvidos para uma maior ou menor longevidade podem responder a diversos estímulos ambientais, que quando somados podem afetar diretamente no fenótipo, podendo acelerar ou retardar o processo de envelhecimento. Deste modo, estudos que estabeleçam as relações e interações entre polimorfismos genéticos, ambiente, envelhecimento e resposta adaptativa são fundamentais para o entendimento da determinação dos diferentes fenótipos ligados ao envelhecimento.
GENES DA LONGEVIDADE
Uma variedade de evidências indica que o envelhecimento e a longevidade estão sujeitos à regulação gênica, porém somente na década passada a identidade desses genes começou a ser desvendada. As investigações em modelos experimentais, principalmente em invertebrados (C. elegans e Drosophila melanogaster), têm proporcionado grandes avanços na descoberta de genes da longevidade. Alguns autores denominam os genes responsáveis pela manutenção funcional dos níveis organizacionais de vitagenes ou gerontogenes.19 Quadro 1
Quadro 1 - Diferentes níveis organizacionais corporal responsáveis pela manutenção funcional no envelhecimento e longevidade dos seres humanos de acordo com Rattan.16
Níveis Organizacionais
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Componentes
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Molecular
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Manutenção e reparo do genoma (DNA)
Fidelidade na Transferência da informação genética
Turnover de macromoléculas
Síntese de proteínas de estresse
Controle de radicais livres
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Celular(morfo-bioquímico)
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Manutenção da diferenciação celular
Controle e regulação da manutenção celular
Estabilidade das condições homeostáticas da célula incluindo: manutenção do pH, viscosidade, balanço iônico, controle hídrico
Estabilidade das membranas celulares
Manutenção das funções celulares
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Histológico e de Órgãos
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Neutralização e remoção de substâncias químicas tóxicas\
Regeneração tecidual
Morte Celular
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Físiológico
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Resposta neuronal
Resposta hormonal
Resposta imune
Resposta ao Estresse
Termoregulação
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A convicção de que genes, bem como o ambiente e fatores comportamentais podem influenciar a taxa de envelhecimento dentro de uma espécie, se consolidou a partir da demonstração de que é possível selecionar linhagens de Drosophila com longevidade aumentada ou curta. Com relação à mosca-das-frutas Drosophila, cientistas têm identificado uma variedade de mutações que aumentam a expectativa de vida ou modificam a extensão da expectativa de vida, através de outras mutações ou por interações genético-ambientais.12 Tais genes são denominados genes da longevidade. Entretanto, camundongos também são ótimos modelos experimentais muito utilizados em estudos sobre o desenvolvimento e envelhecimento, devido a sua anatomia mais complexa e ao conhecimento a respeito de seu metabolismo e fisiologia. Alguns genes já foram identificados, e mutações nos mesmos, afetando a sua função, influenciam no desenvolvimento e na longevidade. Os genes da longevidade podem influenciar na expectativa de vida de várias formas: 19,12
1. a total ou parcial ablação do gene pode aumentar ou diminuir a expectativa de vida;
2. a superexpressão do gene ou um alelo particular pode aumentar ou diminuir a expectativa de vida;
3. a interação com o ambiente pode interferir na extensão da expectativa de vida.
Mas afinal, que genes seriam estes e em que rotas metabólicas estariam atuando?
GENES QUE CAUSAM O ENVELHECIMENTO: esta categoria inclui genes que desencadeiam o processo de envelhecimento precoce. Os exemplos clássicos destes genes que levam ao acúmulo acelerado das modificações biológicas associadas ao envelhecimento e à morte precoce dos seus portadores são: o gene da Síndrome de Hutchinson-Gilford e da Síndrome de Werner (WRN).12 Tabela 1
GENES QUE ALTERAM A LONGEVIDADE ASSOCIADOS A DOENÇAS: genes que causam ou aumentam o risco de doenças podem levar a uma diminuição dramática da expectativa de vida. Entretanto, apesar de existirem evidências de que determinados genes estejam associados à longevidade, é muito difícil que todos os genes candidatos ao aumento ou encurtamento da mesma o sejam para todas as populações humanas. Sendo o envelhecimento e, portanto, a longevidade, uma característica multifatorial, a não ser nos casos das síndromes de Werner e progeria, as demais mutações associadas à longevidade dependem provavelmente da interação de outras variáveis. Exemplos de genes associados à longevidade têm sido descobertos com relativa freqüência nos últimos anos: apolipoproteína E (APO E), enzima conversora da angiotensina (ECA), PAI-1, MnSOD (superóxido dismutase dependente de manganês), genes do complexo de histocompatibilidade (MHC), entre outros.12 Tabela 2
GENES QUE DETERMINAM O TIPO DE IDOSO QUE SEREMOS: existem muitos genes envolvidos com o processo de envelhecimento e com o surgimento de doenças crônicas não-transmissíveis. Contudo, as diferenças na genética de cada ser humano podem ajudar a determinar como e quando teremos cabelos brancos ou desenvolveremos algumas patologias, como: osteoporose, diabetes tipo II, declínio cognitivo, senescência imune ou outras complicações. Alguns autores têm descrito mutações que produzem uma ou mais mudanças em diversos níveis (molecular, fisiológico e bioquímico) em idosos, que podem acelerar processos patológicos.12 Alguns exemplos estão listados na tabela 2.
Tabela 2 - Genes que desempenham papel protetor contra o aparecimento de doença associadas ao envelhecimento em humanos
Gene
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Função/Características
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Comentários
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Referências
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APO E
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Metabolismo das lipoproteínas
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O alelo E2 é frequentemente encontrado em centenários, enquanto que o alelo E4 está associado a estados demênciais e DCV.
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Schachter et al. 199422
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ECA
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Enzima conversora de Angiotensina
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Desempenha um papel importante na pressão sanguínea.
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Schachter et al. 199422
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PAI1
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Ativador do Inibidor de Plasminogênio
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Desempenha um papel importante na coagulação sanguínea, afetando assim o risco de infarto.
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Mannucci et al. 199716
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HLA-DR
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Complexo Maior de Histocompatibilidade
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A variante DR é frequente em centenários; resistentes a infecções e inflamações?
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Ivanova et al. 199813
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WRN
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Síndrome autossômica dominante
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Gene responsável pela síndrome de Werner; mutação leva ao envelhecimento precoce e uma série de doenças associadas, como: câncer, cataratas, osteoporose etc.
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Yu et al. 199626
Huang et al. 199811
Martin and Oshima 200017
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EPIDEMIOLOGIA DO CURSO DE VIDA: modificações do programa genético do desenvolvimento
Evidências científicas mais recentes sugerem que não é só o estilo de vida do indivíduo adulto que interfere na evolução de doenças na velhice. As condições de vida pré-natal e pós-natal também são importantes e precisam ser controladas, a fim de diminuir a prevalência dessas doenças na população. Estudos mostraram que condições de desnutrição detectadas pelo baixo-peso ao nascer tornam esses indivíduos mais suscetíveis a doenças cardiovasculares na fase adulta, bem como a deficiência de alguns compostos nutricionais, como é o caso do folato.
Estudos recentes têm demonstrado que, ainda que a deficiência do folato na gestação não chegue a gerar fetos malformados, a mesma modifica padrões do desenvolvimento (principalmente do cérebro) que aumentam a suscetibilidade da criança para desenvolver, na fase da adolescência e do adulto jovem, distúrbios neuropsiquiátricos como a esquizofrenia, etc. A influência da nutrição materno-infantil nas doenças adultas é explicada através da hipótese de que a deficiência do folato faz com que as células que estão sendo formadas no embrião precisem se adaptar metabolicamente à falta do composto. Tal adaptação, que não é esperada no desenvolvimento normal, é transmitida a todas as células que se originarão e, assim, permanecem na fase adulta e idosa da pessoa.23
As evidências de que as condições intra-uterinas podem afetar a suscetibilidade a doenças crônicas não-transmissíveis nos idosos impulsionaram a construção de um novo conceito da epidemiologia do curso de vida.15
Segundo a hipótese de Baker et al.1, fatores ambientais, principalmente a nutrição, atuam em estágios iniciais do desenvolvimento, programando os riscos para o surgimento precoce de doenças cardiovasculares e distúrbios metabólicos, bem como morte prematura (adultos jovens). A hipótese gerada por Baker et al.1 propunha que alterações na nutrição e no estado endócrino do feto resultariam em adaptações de desenvolvimento que modificariam permanentemente sua estrutura, fisiologia e metabolismo.
Talvez este seja o mais dramático exemplo de que a interação gene-ambiente afete o envelhecimento e a longevidade. Isto porque o desenvolvimento, em todos os estágios, obedece a um programa genético bem estabelecido, ainda que tenha alguns períodos mais flexíveis a respostas ambientais. Sendo assim, a interferência na programação genética do desenvolvimento cria uma cascata de eventos metabólicos que atuam na vida tardia do indivíduo. Talvez esta seja uma das explicações da razão pela qual muitas vezes indivíduos sem risco genético ou ambiental aparente acabam desenvolvendo tais morbidades.
A idéia de que os estados nutricionais da fase intra-uterina e do início da infância podem afetar a prevalência de doenças crônico-degenerativas atinge o Brasil de modo dramático, já que a população mais pobre, além de ser mais suscetível às doenças transmissíveis, tende a concentrar grupos mais suscetíveis a doenças crônico-degenerativas como obesidade, hipertensão, dislipidemia, doenças cardiovasculares, entre outras.
Nestes termos, o lançamento de programas de prevenção baseados no repasse de informações a indivíduos adultos ou idosos também deve ser feito de modo paralelo à implementação de um programa de educação para a saúde, a partir da idéia de que os educadores de todos os níveis e especializações precisam ser capacitados com conhecimento que permita desenvolver metodologias educacionais voltadas à formação de uma nova consciência, tanto nas novas gerações quanto nas mais idosas, com vistas a uma vida saudável.
CONCLUSÃO
Os conhecimentos sobre genética, biologia molecular e evolutiva do envelhecimento, aliados aos fatores ambientais, tais como nutrição, estilo de vida e características biopsicossociais, são o caminho para se começar a desvendar a rede de complexidade biológica que envolve os processo de saúde, doença, envelhecimento e longevidade humana. A partir desses conhecimentos, será possível desenvolver drogas mais eficazes e com menos efeitos adversos, bem como construir estratégias que permitirão a personalização da prevenção de múltiplas doenças ligadas ao envelhecimento, desde as fases mais precoces da vida.
NOTAS
a Bióloga, Mestre em Ciências da Saúde pelo Programa de Pós-Graduação em Medicina e Ciências da Saúde da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Pesquisadora Associada no Laboratório de Genômica do Desenvolvimento, Departamento de Morfologia, Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: vallegot@hotmail.com.
b Farmacêutica, Doutora em Gerontologia Biomédica pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Professora no Departamento de Biologia e Farmácia da Universidade de Santa Cruz. Pesquisadora Associada no Laboratório de Genômica do Desenvolvimento, Departamento de Morfologia, Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: dcpuc@terra.com.br
c Médico Geriatra, Mestre e Doutor em Clínica Médica – área de concentração em Geriatria, professor no Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS, chefe do Serviço de Geriatria do Hospital São Lucas da PUCRS.
d Bióloga, Doutora em Genética e Biologia Molecular pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professora Adjunta e Pesquisadora no Departamento de Morfologia, Centro de Ciências da Saúde. Laboratório de Genômica do Desenvolvimento, Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: ibmcruz@hotmail.com
AGRADECIMENTOS
Agradecemos especialmente à professora doutora Carla Schwanke, pelo auxílio prestado aos autores deste artigo.
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