Mecanismos celulares e moleculares
do envelhecimento e morte celular

Cellular and molecular mechanisms of cell aging and death
Carlos Kusano Bucalen Ferrari, PhD
CRBM 4393

Resumo: O presente artigo revisa e analisa de modo suscinto os principais mecanismos bioquímicos relacionados ao envelhecimento e morte celular, bem como seu significado fisiopatológico e clínico, especialmente nas doenças cardíacas e neurológicas.
Palavras-chave: envelhecimento, radicais livres, apoptose, mitocôndria, metais livres.
Introdução
Com o aumento da expectativa de vida no Brasil, hoje já atingindo 70 anos de idade, houve uma conseqüente elevação da população de idosos que atinge cerca de 14.540.000 pessoas, representando 8,5% do total populacional, fração que consome 23% dos recursos do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Estado de São Paulo, a população de idosos já ultrapassa 3.320.000 pessoas. As capitais com maior proporção de idosos compreendem o Rio de Janeiro, Porto Alegre, Recife, São Paulo e Belo Horizonte. Considerando-se o envelhecimento enquanto fenômeno biopsicossocial, este artigo aborda especialmente seus mecanismos bioquímicos e fisiopatológicos e doenças correlatas.
Nos processos biológicos do envelhecimento, foram observadas as seguintes modificações celulares(18):
Encurtamento das extremidades dos cromosomos, os telômeros, e diminuição ou interrupção da proliferação celular - Significado fisiopatológico: desbalanço entre as taxas de perda e renovação das populações celulares, culminando com a falência de sistemas e órgãos e a morte do organismo;
 Aumento da morte celular provocada por radicais livres durante o envelhecimento decorrente da diminuição da síntese de enzimas antioxidantes [Superóxido dismutase-(SOD), Glutationa (GSH), Catalase (CAT), etc.];
Ativação ou inativação gênica com modificações fisiológicas inerentes;
Formação de cruzamentos intra e intermoleculares do colágeno e de células musculares — Significado Fisiológico: perda da elasticidade corporal e rigidez corporal;
Modificações no sistema imunológico: fenômeno conhecido como imunosenescência que aumenta o risco de infecções.
Radicais livres e Espécies Reativas do Oxigênio
A oxidação mitocondrial incompleta (que ocorre fisiologicamente em cerca de 5%) resulta na produção de moléculas com valências livres, capazes de doar (agente redutor) ou receber elétrons (agente oxidante), os radicais livres do oxigênio, como o radical hidroxila (×OH) e o ânion superóxido (O2.-) e as espécies reativas derivadas deste [peróxido de hidrogênio (H2O2) e oxigênio singleto (1O2). Além disso, diversos nutrientes e metais presentes na dieta também podem sofrer modificações gerando radicais livres, especialmente o ferro(3,7). Isto ocorre quando a concentração de radicais livres e espécies reativas supera os níveis de antioxidantes, processo conhecido como “estresse oxidativo”.
Radicais livres e espécies reativas podem provocar danos às proteínas(1), ao DNA(1,17) e RNA, aos lipídios, especialmente fosfolipídios de membranas celulares e também as frações lipídicas de lipoproteínas plasmáticas (peroxidação lipídica)(6), além de danificarem os carboidratos(9). Ratos senescentes tiveram altos níveis de danos oxidativos nas proteínas do córtex cerebral e do cerebelo, o que provocou diminuição da capacidade de reconhecimento espacial e perda da coordenação motora, respectivamente(8). Oxidações e outras conseqüências dos radicais livres estão na Tabela 1.
Metais livres: 
degeneração e morte celular
No Mal de Alzheimer, uma maciça liberação de ferro no cérebro é responsável pela morte de neurônios por meio de reações de radicais livres conhecidas como Fenton-Haber Weiss, além de oxidação do DNA e formação da proteína beta-amilóide que se deposita em placas(20). Do mesmo modo, o zinco e o cobre também estão aumentados nas placas senis e patológicas (neurópilas) do cérebro de pacientes com Doença de Alzheimer (DA)(2).
Injúria mitocondrial: senescência e morte celular
O excesso de radicais livres e espécies reativas do oxigênio, nitrogênio ou cloro podem induzir a falência mitocondrial e, conseqüentemente, uma intensa liberação de radicais livres que está associada à injúria isquêmica do miocárdio e ao envelhecimento celular(11), bem como à DA e à Doença Parkinson, ambas associadas a um decréscimo do conteúdo citoplasmático de glutationa (GSH) e ao aumento da apoptose neuronal(14). Na epilepsia ocorre inativação da enzima mitocondrial aconitase, como conseqüência da produção intensa de espécies reativas do oxigênio, que está relacionada à maciça perda de neurônios(15). Na doença de Wilson, os pacientes têm mutações que alteram o transporte intracelular de cobre, resultando em acúmulo intracelular do elemento e desencadeamento de reações tóxicas de superprodução de radicais livres e também mutações no DNA mitocondrial que estão associadas ao envelhecimento hepático precoce(12).
O estresse oxidativo também causa abertura dos canais iônicos na membrana da mitocôndria, conhecidos como poros de transição, liberação da proteína citocromo c, que provoca a ativação de diversas enzimas executoras da morte celular apoptótica, as caspases, culminando na apoptose(4). Neste sentido, sabe-se que o citocromo c liberado forma um complexo com a proteína ativadora da apoptose (Apaf-1) que cliva as caspases, enzimas ricas em cisteína que clivam o ácido aspártico e outros aminoácidos, ativando-as para a degradação do DNA e a morte celular(5). O bloqueio da liberação do citocromo c, desempenhado pela proteína Bcl-2, da superfície externa da membrana mitocondrial, inibe a apoptose, e diminui a formação do ânion superóxido (O2.-) aumentando a sobrevivência celular, inclusive de neurônios(10). Estes processos estão representados na Figura 1, cujo modelo é a injúria e morte celular de neurônios.

Discussão e conclusão
Estudos com centenários saudáveis têm demonstrado que estes indivíduos apresentam elevados níveis plasmáticos das vitaminas A e E, reconhecidos antioxidantes(13), sugerindo que longevidade está relacionada à integridade dos sistemas de defesa antoxidante. Da mesma forma, o envelhecimento celular esta associado à diminuição das defesas antioxidantes e falência mitocondrial, o que significa, na prática, que o organismo humano ao envelhecer perde progressivamente a capacidade de metabolizar e remover substâncias tóxicas. Assim, é necessário ter um estilo de vida saudável que significa evitar ou minimizar o uso do álcool e do cigarro e a ingestão excessiva de gordura e calorias. Do mesmo modo, não se deve utilizar medicamentos sem prescrição médica, pois várias drogas também induzem a formação de radicais livres no fígado e outros órgãos. Na mesma direção, esforços deveriam ser feitos para combater a poluição ambiental, visto que diversos poluentes físicos (radiações térmicas, ultravioleta e gama), químicos (metais pesados – chumbo, mercúrio e cádmio; inseticidas – DDT, organoclorados e organofosforados), e biológicos (toxinas bacterianas, aflatoxinas micotoxigênicas, micropatógenos) podem induzir a formação de radicais livres no organismo humano(3,6,16). Todos os fatores acima referidos podem contribuir para o envelhecimento e a morte celulares. Porém, evitar estes fatores tem impacto positivo na saúde física. Por exemplo, no estudo de Prième et al. (1998)(17), em apenas quatro semanas de abandono do fumo houve uma diminuição de 21% nos níveis de dano oxidativo ao DNA. Além disso, a adoção de um estilo de vida saudável que abrange especialmente uma dieta adequada e a prática regular de exercícios físicos é essencial para um envelhecimento saudável.
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Tabela 1 – Doenças associadas à peroxidação lipídica em células, tecidos e alimentos
DOENÇA OU DISTÚRBIO
MECANISMOS OXIDATIVOS ENVOLVIDOS
Aterosclerose
Óxidos de colesterol em alimentos e sistemas biológicos
Catarata
Dieta rica em gorduras e deficiente em antioxidantes (tocoferol e ácido ascórbico)
Diabetes
Oxidação de açúcares e de lipídios favorecida por dieta rica destes nutrientes
Diarréia e inflamações respiratórias
Peróxidos irritam mucosas.
Há risco ocupacional em serviços de alimentação
Envelhecimento
Dieta rica em gorduras e deficiente em antioxidantes, desde a infância, provocam
aceleração do envelhecimento celular.
Hemólise e anemia
Dieta rica em AGPI predispõe à ruptura da membrana celular de eritrócitos, resultando
em hemólise e, em conseqüência, na anemia
Perda parcial de vitaminas e nutrientes essenciais
ERO e produtos da OL provocam a perda de vitaminas lipossolúveis (A, carotenóides e E), da vitamina C e de ácidos graxos essenciais à nutrição humana. Peróxidos e produtos finais da PL impedem a absorção intestinal de nutrientes (tiamina, pantotenato, riboflavina, ascorbato, vitamina B12, vitamina A, tocoferóis, lisina e peptídeos sulfurados)
Necrose e/ou apoptose
Provocada por peróxidos, malonaldeído e 4-hidroxinonenal
Mutagenicidade, danos genéticos e câncer
Peróxidos, malonaldeído e 4-hidroxinonenal e outros aldeídos são agentes clastogênicos que danificam o material genético, aumentando o risco de ocorrência de cânceres

Abreviações - AGPI: ácido graxo polinsaturado; ERO: espécies reativas de oxigênio;
PL: peroxidação lipídica.
Modificado de: Ferrari CKB, & Torres EAFS. Biomedicine and Pharmacotherapy (2003).


Bcl-2: Proteína localizada na superfície da membrana externa da mitocôndria, responsável pela estabilização mitocondrial

FIA: Fator Indutor da Apoptose (Apoptosis inducing factor – AIF): molécula citoplasmática ligada à mitocôndria e indutora da apoptose 

ERO: Espécies reativas de oxigênio

Estímulos fisiológicos induzem a respiração mitocondrial normal. Porém, estímulos patológicos aumentam o metabolismo oxidativo mitocondrial até que ocorra a falência da organela, indicada pela liberação de citocromo c e ativação de caspases que induzem a morte celular apoptótica. No citoplasma, o FIA pode estimular este processo, enquanto que a Bcl-2 estabiliza a mitocôndria inibindo a apoptose. Adaptado de: Ferrari CKB. Sci Lett 4(2): 2002. Disponível em URL: http://www.mars-net.org/SLIssues/2002issue02/MTNEUROCKBF.doc


Endereço para Correspondência
Prof. Dr. Carlos K. B. Ferrari

Pós-graduação em “Alimentação Funcional e Qualidade de Vida” - Centro Universitário Adventista (UNASP). Estrada de Itapecerica, 5859 - Capão Redondo, Cep 05858-001, São Paulo (SP). E-mail: drcarlosferrari@hotmail.com
Pós-graduação em “Cronobiologia” - Instituto de Ciências da Saúde - UNIARAXÁ. Av. Amazonas, 777,
Bairro São Geraldo, Cep 38180-84, Araxá, Minas Gerais.

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