Na década de 70 surgiu a moda dos "radicais livres". As revistas e a TV passaram a dizer que esses tais radicais livres eram os responsáveis pelo envelhecimento das pessoas. E mais, para acabar com eles, só tomando carradas de "anti-oxidantes". Hoje, ao que parece, os médicos não estão mais receitando esses anti-oxidantes pois está ficando evidente que eles não retardam o envelhecimento de ninguém. Passaram a dizer que o melhor método para viver mais é comer menos. Entramos na era da "restrição calórica". Mas, afinal, o que são esses radicais livres? Basicamente, um radical livre é um átomo ou molécula que tem 1 elétron "desemparelhado". A gente aprende, nas aulas de química, que os elétrons em um átomo gostam de ficar emparelhados, isto é, gostam de andar aos pares, um com spin para cima e o outro com spin para baixo. Se a molécula tem um elétron isolado, sem parceiro, é grande a chance dela tentar roubar outro elétron de algum composto para emparelhar com o seu. A molécula de oxigênio (O2) tem dois elétrons desemparelhados. Ela é eletricamente neutra, pois tem 16 prótons e dezesseis elétrons, mas pode aceitar, com alguma facilidade, um elétron extra para satisfazer o emparelhamento de um dos desemparelhados. Quando ela recebe esse elétron extra, vira O2-, e passa ser um radical livre chamado "superóxido". Biologicamente, radicais livres são tóxicos. Nosso sistema imunológico fabrica radicais livres para liquidar micróbios indesejáveis. Mas, dentro das mitocôndrias eles são um grande problema porque gostam de roubar elétrons das grandes moléculas, as enzimas e os lipídeos, para satisfazer seus elétrons desemparelhados. Na linguagem dos químicos, eles "oxidam" os lipídeos. Quem já viu o que acontece com gorduras deixadas ao ar livre sabe o que acontece quando elas oxidam. Nas membranas das mitocôndrias os lipídeos, quando oxidados por radicais livres, endurecem e se quebram. Isso pode destruir a mitocôndria. E os radicais livres atacam também outras moléculas, como as enzimas, o DNA e o RNA. É preciso, portanto, limitar a produção dos radicais livres ou neutralizá-los de alguma forma, antes que façam muito estrago na célula. O organismo de seres que respiram oxigênio, como nós, sabe produzir uma enzima, osuperoxide dismutase (SOD), que pode neutralizar um radical livre como o superóxido. Entretanto, nem sempre essa enzima dá vencimento. Além disso, ela pode não estar presente no local onde os radicais livres são produzidos e realizam suas malvadezas. Um desses locais, exatamente o que nos interessa nesse relato, é a cadeia respiratória que reside na membrana interna das mitocôndrias. Como vimos, no fim da cadeia os elétrons que passam por ela são retirados para participarem da reação que produz água (O2 + 4 H+ + 4 e- -> 2 H2O). Idealmente, todos os elétrons que saem da cadeia respiratória deveriam ter esse destino. Mas, não é isso que acontece. Mesmo quando tudo está normal, cerca de 2% desses elétrons escapam do processo e, como existem muitas moléculas de oxigênio por perto, pulam para elas e formam superóxidos. Para falar a verdade, estou simplificando o esquema, pois também outros radicais livres são formados, além do superóxido, e podem se originar de elétrons que vazam da cadeia respiratória. Um desses radicais livres, o OH-, é extremamente reativo e oxida tudo que encontra por perto. A mitocôndria não sobrevive se a taxa de radicais livres ultrapassar um certo limiar. Como vou contar, a seguir, a mitocôndria provoca a morte da célula, uma coisa chamada de apoptose. Podemos dizer, sem hesitação, que são as mitocôndrias que decidem quando a célula onde moram deve morrer. É uma morte programada que os biólogos chamam de "apoptose". Pode ser desencadeada por fatores externos como intoxicações, poluentes, fumo etc. Mas, também pode surgir por decisão interna da mitocôndria. Nesse caso, o mecanismo que ativa a apoptose é a perda do potencial elétrico na membrana onde está a cadeia respiratória. Isso provoca uma inversão no funcionamento da cadeia, como vimos na apostila anterior, tentando recuperar o estado da membrana. Mas, nem sempre isso é possível. Quando não é, o defeito provoca uma avalanche de radicais livres, como é fácil de prever, pois os elétrons da cadeia perdem seus rumos. Quando essa avalanche se estabelece, começa a seqüência de eventos que resulta na apoptose. Inicialmente, a mitocôndria libera uma das suas enzimas mais importantes, parte essencial da cadeia respiratória, chamada citocromo c. Essa liberação se dá porque os radicais livres oxidam os lipídeos que prendem o citocromo c à membrana. Vagando solta pela mitocôndria, essa enzima ordena que outras enzimas, chamadas de "caspases", entrem em ação. Sabe qual é a missão dessas tais caspases? Matar a célula! Elas fazem isso escangalhando todas as grandes moléculas que encontram em seus caminhos, proteínas, lipídeos, DNA, o que for. Furam a membrana externa da mitocôndria e saem para o espaço externo onde continuam suas tarefas mortais. Os genes que contêm as instruções para a fabricação do citocromo c foram trazidos para a célula pela bactéria que deu origem à mitocôndria na endossimbiose. Só depois foram transferidos para o núcleo. Os genes para fazer as carpases também chegaram com a bactéria. Isso leva a crer que a bactéria invasora já tinha, desde o início da endossimbiose, as armas para matar a célula hospedeira mas preferiu não fazê-lo. Em outras palavras, preferiu viver dentro da outra como parasita, já que matá-la talvez não fosse tão vantajoso. Isso reforça a hipótese segundo a qual ela seria a Rickettsia, que ainda hoje é uma parasita de células. Os radicais livres são deletérios mas são inevitáveis. Por um lado, o funcionamento da cadeia respiratória não pode ser 100% eficiente, pois nada é. Depois, se algo ruim ocorrer com a cadeia, são eles que sinalizam que a mitocôndria está com defeito (liberando o citocromo c) e que está na hora de uma apoptose. Mas, como eles podem atacar inclusive o DNA mitocondrial, provocam muitas mutações, a grande maioria indesejável. A coisa é pior porque o DNA das mitocôndrias contém poucos genes, como vimos, e é desprotegido, como o das bactérias. Quando as mutações afetam a própria cadeia respiratória, mais radicais livres são liberados e temos um ciclo vicioso. Além disso, as mutações do DNA mitocondrial começam a ficar mais prejudiciais, em geral, quando a pessoa vai ficando velha e já não produz descendentes. Portanto, a seleção natural não tem como consertar esse tipo de desvantagem. Meu palpite, por experiência própria, é que prolongar o mais possível a vida sexual talvez contribua para retardar o envelhecimento. Agora, o mais intrigante é que as pesquisas parecem mostrar que o DNA mitocondrial das pessoas velhas não apresenta mutações nos genes responsáveis pelo funcionamento da cadeia respiratória. Isso é paradoxal, já que esses genes são continuamente atacados pelos radicais livres. Uma possível explicação é a seguinte: os radicais livres e a apoptose são essenciais pois liquidam as mitocôndrias com cadeias respiratórias defeituosas que são continuamente substituidas por outras sadias. Mais uma razão para que esse mecanismo não seja desligado. Portanto, não há como evitar que as mitocôndrias nos arrastem para as vicissitudes da velhice. No máximo, levando uma vida saudável e comendo apenas o necessário para tocar a cadeia respiratória em seu melhor ritmo, talvez seja possível adiar essas mazelas. |
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