Exercício físico e sistema imunológico: mecanismos e integrações
RESUMO
O exercício físico induz alterações transitórias no sistema imu-
nológico. A intensidade, a duração e o tipo de exercício deter-
minam as alterações ocorridas durante e após esforço. Na res-
posta aguda ao exercício, os sistemas imunológico e neuroen-
dócrino interagem através de sinais moleculares na forma de
hormonas, citocinas e neurotransmissores. Constata-se a exis-
tência de um verdadeiro sistema de inter e intra-comunicação
que participa, como um todo, na coordenação, integração e
regulação dos eventos durante o esforço físico. Neste artigo,
são relatados estudos evidenciando a influência dos diferentes
tipos de exercício físico sobre a concentração e a função de
componentes do sistema imunológico. Serão ainda discutidos
pontos relevantes da integração entre o sistema nervoso, o sis-
tema endócrino e em particular o sistema imunológico durante
o exercício físico.

Já está bem definido que o exercício físico (EF),
enquanto modelo mensurável de indução de stress,
provoca alterações funcionais no sistema imunológi-
co (SI)

Diferentes tipos e cargas de EF podem provocar alte-
rações distintas nos parâmetros imunes35. Alguns
estudos vêm demonstrando que o EF moderado
(<60% do VO2máx) parece estar relacionado ao
aumento da resposta dos mecanismos de defesa
orgânica enquanto que o EF mais inten-
so e prolongado (>65% do VO2max) ou o treino
excessivo parecem enfraquecê-la.

Na base desta influência poderá estar a inter-relação
existente entre o sistema nervoso (SN), o sistema
endócrino (SE) e o SI5. De fato, durante a actividade
física ocorre activação inicial do sistema nervoso sim-
pático (SNS), que estimula a produção e a libertação
de catecolaminas, hormonas e neurotransmissores
relacionados ao stress. Além disso, há também acti-
vação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA)
que parece possuir uma relação intrínseca com as
componentes do SI, não só pela presença de recepto-
res hormonais em leucócitos, mas também pela rela-
ção anatómica observada entre os três sistemas .

Esta revisão tem por objectivo abordar os pontos
relevantes da influência dos diferentes tipos de EF
sobre a concentração e a funcionalidade de algumas
componentes do SI. Para uma compreensão mais
abrangente, serão relatados também estudos eviden-
ciando a integração entre o SN, o SE e, em particu-
lar, o SI, observados durante o EF.


EXERCÍCIO FÍSICO E A IMUNIDADE

Diferentes tipos e cargas de EF podem provocar alte-
rações distintas no SI35. Neste sentido, é importante
conhecer como o exercício agudo (carga súbita de
EF), moderado (entre 50 a 65% do VO2máx) ou
intenso (acima de 65% do VO2máx) podem influen-
ciar alguns parâmetros da imunidade tanto celular
como humoral.

Um estudo pioneiro nessa área foi realizado no início
do século XX (1902) por Larrabee (para refs. ver57),
o qual verificou uma leucocitose em corredores a
seguir uma maratona, decorrente, sobretudo, do
aumento do número de neutrófilos na circulação.

Contudo, a relação entre EF e SI tornou-se mais sóli-
da a partir de observações realizadas por pesquisado-
res acerca do aumento da incidência de infecções do
trato respiratório superior (IRTS) em atletas após
treinamentos intensos ou prolongados, e/ou compe-
tições exaustivas. Os efeitos do EF sobre as
componentes do SI são empiricamente conhecidos,
apesar de só recentemente estarem a ser estudados
os mecanismos subjacentes a estas influências.

De forma geral, o EF agudo provoca um aumento na
concentração de leucócitos na circulação. A leuco-
citose observada durante e após o exercício decorre
principalmente do aumento da concentração de neu-
trófilos35,45. Este aumento parece resultar da migra-
ção de células do tecido endotelial para o sangue ou
como parte da resposta inflamatória às lesões no
tecido muscular.

Os neutrófilos polimorfonucleares (PMN) com-
preendem a sub-população de leucócitos de maior
número na circulação35. Para desempenhar suas fun-
ções nos tecidos, os PMN migram na direção de par-
tículas a serem ingeridas (quimiotaxia)78. Daí então
podem reconhecer, aderir e engolfar muitos micró-
bios, bactérias e vírus (fagocitose) e descarregar o
conteúdo de seus grânulos citoplasmáticos nos
vacúolos fagocíticos (desgranulação)78. Para além
disso, os PMN são mediadores da lesão tecidual
durante a inflamação, via libertação de espécies reac-
tivas de oxigênio e outros factores tóxicos (activida-
de oxidativa)79.
Os estudos sobre o efeito do EF moderado na função
de PMN ainda são conflitantes. Muitos pesquisado-
res verificaram que o EF moderado parece auxiliar a
quimiotaxia, a desgranulação e a actividade oxidativa
dos PMN a seguir 1 hora de EF a 60%
VO2máx39,50,60,83,85. Entretanto, Pyne et al79 encontra-
ram uma diminuição na actividade oxidativa de PMN
em atletas a seguir 40 minutos de EF aeróbico a
65% do VO2máx. Um estudo verificou um aumento
na actividade oxidativa de PMN tanto em atletas
quanto em sujeitos não-treinados antes e a seguir 1
hora de EF aeróbico a 60% do VO2máx83. Muns et al49
verificaram um aumento da actividade fagocítica dos
PMN em homens treinados 24 horas a seguir uma
corrida de 20 km a 60% do VO2máx. Por outro lado,
Ortega et al60 não encontraram alteração significativa
na actividade fagocítica de PMN imediatamente a
seguir 1 hora de bicicleta a 50% do VO2máx em
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homens sedentários. A variabilidade do tempo de
avaliação da função destas células a seguir o EF, o
nível de aptidão física individual e os diferentes pro-
tocolos experimentais utilizados podem justificar os
diversos resultados encontrados.
Contrariamente ao EF moderado, os estudos refe-
rentes à resposta funcional de PMN ao EF intenso
parecem mais consistentes. Com excepção da activi-
dade fagocítica e da desgranulação, as funções dos
PMN parecem diminuir a seguir um EF intenso86,102.
Alguns estudos verificaram que a capacidade oxidati-
va destas células é temporariamente atenuada duran-
te uma carga aguda de EF intenso (>85% do
VO2máx) e no período de recuperação28,78, 81,83.
Pedersen e Bruunsgaard72 relatam que a imunossu-
pressão observada é apenas evidente quando o EF é
intenso e de longa duração (60 min ou mais).
Robson et al82 compararam o efeito de um EF a 80%
VO2máx (durante 1 hora) com um EF a 55% VO2máx
(durante 3 horas) em indivíduos activos. Estes auto-
res verificaram, contudo, que durante e a seguir o
esforço houve um aumento similar na contagem de
PMN nas duas intensidades82. Curiosamente, a dimi-
nuição da actividade oxidativa e anti-bactericida des-
tas células foi mais pronunciada a seguir o EF mode-
rado82. Assim, as alterações nas funções dos neutró-
filos parecem ser dependentes não somente da
intensidade, mas também da duração do esforço.
Aliás, as alterações funcionais destas células em
reposta a diferentes cargas de EF podem ser clinica-
mente significativas refletindo um estado de stress
ou imunossupressão associados ao EF, assim como
um indicativo de overtraining.
Outra linhagem de células fagocíticas inclui os
mononucleados: monócitos e macrófagos102. Os
monócitos são células disponíveis no sangue perifé-
rico que continuamente se diferenciam em macrófa-
gos após migrarem para os tecidos102. Os macrófagos
estão presentes em vários tecidos, órgãos e cavida-
des101. O EF agudo, independente da intensidade e
da duração, parece provocar uma monocitose tempo-
rária21. Por outro lado, a quantificação de macrófagos
nos tecidos em resposta a um EF é relativamente
inacessível em humanos21.
Os fagócitos mononucleares são importantes células
efectoras, altamente regulados por outras células
(linfócitos T e B) e por mediadores químicos produ-
zidos pelo SNS e pelo eixo HPA101. Estão envolvidos
na fagocitose e na actividade microbicida e antitu-
moral, manifestam uma função celular acessória
como apresentadores de antigénio e promovem o
desenvolvimento da imunidade mediada por linfóci-
to100,102. São também uma fonte de citocinas media-
doras das reacções inflamatórias e fisiopatológicas
que acompanham a lesão celular102. Aspectos carac-
terísticos dos macrófagos incluem a capacidade de
aderência, a quimiotaxia, a produção de anião supe-
róxido e a citotoxicidade17,103. Estas células também
possuem a capacidade de manifestar efeitos pró e
antiinflamatórios sobre a função de outros tipos
celulares103.
O stress provocado pelo EF parece ter um efeito
estimulador na função de macrófagos101. Tanto o EF
moderado como o intenso podem aumentar várias
funções destas células incluindo a quimiotaxia, a
aderência, a produção de anião superóxido, a taxa de
metabolismo do nitrogénio, a actividade citotóxica e
a capacidade fagocítica21,53,62,98,99,102. Os mecanismos
subjacentes a estas respostas ainda permanecem des-
conhecidos, mas podem estar associados a factores
neuroendócrinos23,60,63,75,101. Ademais, ainda são
necessários estudos que investiguem a significância
fisiológica das alterações funcionais destas células.
Em animais, Woods et al99 observaram que tanto
uma corrida exaustiva num tapete (18-35 m/min,
5% de inclinação, durante 2-4 h) quanto uma mode-
rada (18 m/min, 5% de inclinação, durante 30 min)
podem provocar um aumento da citotoxicidade anti-
tumoral de macrófagos peritoniais. Outro estudo
observou um aumento no processo fagocítico de
macrófagos peritoneais de ratos submetidos à nata-
ção até a exaustão ou submetidos ao treino (90
minutos de nado durante 20 dias)20. Entretanto,
Davis et al15 verificaram recentemente que um EF
extenuante de longa duração (2.5-3.5 h) pode provo-
car diminuição na actividade anti-viral de macrófa-
gos alveolares e aumentar a susceptibilidade de
infecções em ratos. Woods et al100 também verifica-
ram que o EF muito intenso e de curta duração
induziu a uma redução na capacidade de apresenta-
ção de antigénios por macrófagos peritoneais em
camundongos. De forma geral, o EF provoca altera-
ções nestas células, contudo o efeito modulador
parece depender do parâmetro a ser avaliado, da
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Exercício físico e sistema imunológico
intensidade, do tipo e mais pronunciadamente da
duração do exercício. Todavia, a localização tecidual
específica do macrófago estudado parece ser mais
determinante.
Nos tecidos também são encontradas outros tipos de
células do SI36. Os linfócitos teciduais estão em
equilíbrio dinâmico com aqueles do sangue e recir-
culam continuamente através de canais vasculares e
linfáticos, de um órgão linfóide para o outro36. O
aumento da concentração destas células durante o
EF agudo, moderado ou intenso, decorre do recruta-
mento de todas as suas populações (células natural
killer (NK), linfócitos T e linfócitos B) para o com-
partimento vascular, constituindo uma resposta alta-
mente estereotipada70,76. Portanto, durante o exercí-
cio, é verificado um aumento de linfócitos em cerca
de 50% a 100% em relação ao valor basal76. No
período de recuperação (30 minutos após o exercí-
cio), a contagem de linfócitos diminui de 30% a 50%
abaixo dos níveis pré-exercício, permanecendo assim
durante 3 a 6 horas76.
Dentre as populações de linfócitos, as células NK
parecem ser as mais responsivas imediatamente a
seguir uma carga súbita de EF97. As células NK são
conhecidas por desencadearem defesa precoce contra
certas infecções intracelulares97. Deste modo, elas
participam da exterminação de células tumorais e
células infectadas por vírus (actividade citolítica),
sem necessidade prévia de imunização ou
activação97.
Exercícios de vários tipos, durações e intensidades
induzem o recrutamento de células NK para o san-
gue, assim como provocam alterações na actividade
citolítica destas células37,73. Tvede et al93 estudaram
a resposta das populações de linfócitos em ciclistas
dinamarqueses durante 1 hora de EF em três dife-
rentes intensidades de esforço (25, 50 e 75% do
VO2máx). Neste estudo, a linfocitose e posterior lin-
fopenia foram observadas durante o EF a 50% e 75%
do VO2máx93. Foi ainda verificado que a actividade
citolítica de células NK e da linfocina activadora de
células NK (LAK) aumentou durante todas as ins-
tâncias de esforço e foi suprimida 2 horas pós-esfor-
ço apenas a seguir o EF a 75% do VO2máx93.
De fato, a seguir 1 ou 2 horas de EF intenso de
longa duração (>75 % durante 1 hora), a concentra-
ção de células NK e a actividade citolítica diminuem
em cerca de 25 – 40% do nível basal37,73. E esta
redução pode prolongar-se por até 2 – 4 horas a
seguir o EF72,73. Um estudo demonstrou que o EF
exaustivo de força (sets de 10 repetições a 65% de 1-
RM até a fadiga) em atletas treinados também pro-
voca uma diminuição na função citolítica das células
NK no período de recuperação (2 horas pós-
esforço)58. Da mesma forma, alguns pesquisadores
observaram uma diminuição da actividade citolítica
destas células em atletas remadores submetidos a
um EF muito intenso de curta duração (6
minutos)55. Neste sentido, a intensidade, mais do
que a duração, parece ser responsável pelo grau de
incremento de células NK na circulação e pelas alte-
rações funcionais destas células. Vale salientar que a
diminuição da actividade citolítica das células NK no
período de recuperação pode suscetibilizar o indiví-
duo a infecções35.
Durante um EF agudo ocorre também um aumento
da concentração dos linfócitos T, seguido de uma
diminuição no período de recuperação76. Os linfóci-
tos T podem ser divididos em sub-populações de
acordo com as moléculas antigénicas de superfície
co-receptoras: células T auxiliares (CD4+) e células
T citotóxicas ou supressoras (CD8+)35. As células T
CD8+, entre outras funções, são responsáveis pela
destruição de células infectadas por vírus ou de célu-
las tumorais35. As células T CD4+ actuam na liber-
tação de LAK, além de interferirem na estimulação,
proliferação e maturação de linfócitos B35.
Um EF a 50% do VO2máx parece não alterar a con-
centração de células T CD4+ e T CD8+40,76,91,92. Um
estudo não verificou modificação na percentagem de
células T CD4+ e T CD8+ em 18 adultos jovens
sedentários submetidos a cinco cargas repetidas de
EF submáximo em cicloergómetro31. Contudo,
alguns estudos tém observado que um EF a 75% do
VO2máx tende a provocar uma diminuição na concen-
tração de células T CD4+, sem alterar a concentra-
ção de células T CD8+3,25,76. Dessa forma, a propor-
ção de CD4+/CD8+ diminui refletindo um maior
aumento de células T CD8+3. E este aumento pode
estar associado com estados de imunossupres-
são3,25,76.
Um linfócito activado deve proliferar antes que sua
prole se diferencie em células efectoras para a produ-
ção de linfócitos específicos em número suficiente
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para combater uma infecção76. A duração e a intensi-
dade do EF parecem ser determinantes na resposta
proliferativa de linfócitos76. Em humanos, a resposta
proliferativa de linfócitos T em resposta a um EF a
50% e 75% do VO2máx (durante 1 hora) parece dimi-
nuir no período de recuperação91,93. Contudo, duran-
te e após um EF máximo de curta duração (6 minu-
tos) não ocorreu alteração da resposta proliferativa
de linfócitos55. Da mesma forma, não foi encontrado
alteração na proliferação de linfócitos a seguir um EF
de resistência de força58. Estes resultados decorrem,
provavelmente, da presença de factores neuroendó-
crinos e de mediadores libertados por células imunes.
A seguir exercícios intensos de longa duração (ex.
ciclismo, natação, maratona) ocorre uma diminuição
em cerca de 70% na concentração salivar da imuno-
globulina A (IgA) por várias horas pós-esforço6,40.
As Ig são glucoproteínas secretadas por linfócitos
B76. Elas combinam-se especificamente com a subs-
tância que induziu sua produção e formam o braço
humoral da resposta imune76. A IgA constitui 10 a
15% do total de imunoglobulinas, sendo a principal
classe de anticorpo das mucosas6.
Alguns estudos relatam a não ocorrência de alterações
na concentração salivar de IgA e de IgE, no soro,
durante um exercício moderado42,53,56,57.
Contrariamente, Blannin et al6 encontraram baixas
concentrações de IgA após uma corrida de 31 Km a
65% do VO2máx. Outros estudos encontraram também
uma diminuição na concentração de IgA, tanto na
saliva quanto na mucosa nasal a seguir um EF intenso
de longa duração42,53,57. Dessa forma, os pesquisado-
res estão a associar a coincidência desta redução com
o aumento da prevalência de ITRS em atletas56,57.
De fato, os estudos epidemiológicos relatam uma alta
incidência de ITRS em maratonistas uma ou duas
semanas a seguir uma prova ou um treinamento
intenso13,22,29,56. Um estudo verificou que os sinto-
mas de ITRS ocorridos em maratonistas foram na
ordem de 33.3%, enquanto os ocorridos no grupo
controle foram de 15.3%77. Embora os estudos reve-
lem um aumento dos sintomas de ITRS a seguir um
exercício intenso e de longa duração, não existem
informações se esses sintomas são decorrentes do
processo infeccioso em si, ou se são devidos a uma
inflamação local ou sistémica causada pelo
exercício76.
Muitos aspectos da relação existente entre exercício
físico e imunidade ainda não estão totalmente escla-
recidos. Factores como: o período de avaliação da
alteração e da resposta imunológica, o nível de apti-
dão física e nutricional do indivíduo, o estado psico-
lógico, o overtraining, as condições climáticas e os
precedentes alérgicos e inflamatórios no trato respi-
ratório, merecem ser considerados41. Ademais, a
natureza transitória das alterações observadas pode,
simplesmente, refletir uma automodulação das célu-
las imunes em busca da homeostase.
EXERCÍCIO FÍSICO E A INTEGRAÇÃO ENTRE OS
SISTEMAS NERVOSO, ENDÓCRINO E IMUNE.
Durante e a seguir uma carga súbita de EF ocorrem
alterações na concentração e na funcionalidade de
células do SI76. Todavia, essas alterações não devem
ser vistas isoladamente, mas como parte de uma com-
plexa rede bidirecional de sistemas interligados32,76.
Durante o exercício, é verificado um aumento nas
concentrações de dopamina e noradrenalina a nível
cerebral7. Em conseqüência, há secreção da hormona
libertadora da corticotropina (CRH) a nível hipotalâ-
mico7. A corticotropina (ACTH) e as b-endorfinas
são então libertadas pela pituitária anterior7. A des-
carga de ACTH estimula o córtex adrenal a produzir
glucocorticóides e aminas biogênicas7. De fato, a
activação do SNS e os eventos seqüenciais do eixo
HPA parecem possuir uma relação intrínseca com as
componentes do SI, não só pela presença de recepto-
res hormonais em leucócitos, mas também pela rela-
ção anatômica observada entre os três sistemas26,68.
As células do SI parecem possuir receptores para as
b-endorfinas, catecolaminas, cortisol, hormona do
crescimento (GH) e diversos outros mediadores
envolvidos na reação ao stress7,26,68.
Em resposta tanto a um EF prolongado e intenso
(>70% do VO2max) quanto a um exercício de curta
duração e muito intenso (>85% do VO2max) ocorre
um aumento das concentrações de b-endorfinas na
circulação76,96. É interessante notar que os leucócitos
expressam receptores para as ß-endorfinas26. Esta
constatação levanta a hipótese de uma possível
influência desses mediadores na função de células do
SI durante o exercício. Estudos com humanos suge-
rem que as b-endorfinas podem diminuir a produção
de imunoglobulinas44,48. Recentemente foi verificado
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Exercício físico e sistema imunológico
em ratos que as b-endorfinas inibem a proliferação de
linfócitos e parecem estar envolvidas no aumento da
quimiotaxia e da fagocitose de macrófagos
peritoneais14,61. Da mesma forma, parece aumentar a
actividade citolítica de células NK durante o stress
crônico, mas não o recrutamento destas células para
circulação76,96.
O recrutamento de PMN e das populações de linfóci-
tos para o compartimento vascular durante o EF
parece ser mediado pela adrenalina, e em menor
grau pela noradrenalina69. Durante o EF, a adrenali-
na e a noradrenalina são libertadas da medula adre-
nal e a noradrenalina dos terminais nervosos simpá-
ticos69,76. A concentração sanguínea desses mediado-
res aumenta linearmente com a duração do exercício
e exponencialmente com a intensidade do mesmo76.
A expressão de b-receptores nas diferentes células
imunes fornece a base molecular para acção das cate-
colaminas5,30,38. Contudo, a densidade de receptores
adrenérgicos e a eficiência do sistema de transdução
AMPc diferem nos vários tipos de células imuno-
competentes5,26,68,94. Os PMN e as células NK pare-
cem apresentar maior número de receptores em
comparação a outras células imunes26. Neste senti-
do, é provável que a resposta imediata destas células
aos efeitos do EF agudo, moderado ou intenso,
decorra do efeito modulador das catecolaminas90.
Quando o exercício se prolonga, prossegue o aumen-
to da concentração de PMN e linfócitos devido, pro-
vavelmente, a elevação das concentrações de cortisol
no plasma69. O cortisol, em pequenas quantidades,
melhora a função imune, visto que um dos papéis
deste hormônio no SI é o de estimular a migração de
células da medula para a circulação, assim como, dos
linfonodos para os tecidos lesionados7.
Contudo, o aumento da concentração de cortisol no
sangue pode causar linfocitopenia, monocitopenia e
neutrofilia em humanos76. Esta hormona inibe a
migração de células inflamatórias para locais lesiona-
dos, proliferação de linfócitos, e é inibidora da fun-
ção de macrófagos e limitadora da actividade das
células NK34,74,90,101 . Para além disso, parece induzir
baixa na regulação de receptores de linfócitos T e
aumentar a taxa de catabolismo, reduzindo as reser-
vas de aminoácidos que são necessários para prolife-
ração de linfócitos B e síntese de imunoglobuli-
na51,54,71. Alguns estudos relatam ainda, que EF
intenso de longa duração parece induzir a apoptose
de linfócitos decorrente do aumento dos níveis de
cortisol43. Portanto, os efeitos do aumento da con-
centração do cortisol podem estar relacionados à
imunossupressão evidenciada após treinamentos
exaustivos ou EF intensos e de longa duração.
Ainda relacionado com a intensidade do esforço, a GH
é também libertada da pituitária anterior durante o
EF7. Nos mononucleares pode-se verificar receptores
para a GH76. É interessante notar que em resposta ao
stress físico, a GH quando combinada com a adrenali-
na provoca neutrofilia7. Contudo, parece não atuar no
recrutamento de linfócitos para a circulação32.
As células imunocompetentes parecem, portanto, pos-
suir não só receptores hormonais, mas também a
capacidade para produzir e secretar algumas hormo-
nas e neuropeptídeos26. De forma idêntica ao que
acontece em células da pituitária, a produção destes
peptídeos por células do SI respondem, na maioria
dos casos, a factores inibitórios ou estimuladores do
hipotálamo, bem como a hormonas envolvidas na
regulação do feedback negativo26,34. Entretanto, a quan-
tidade de hormonas e neuropeptídeos produzidos
pelas células do SI é pequena, sugerindo que estas
substâncias actuam de forma parácrina e
autócrina16,34.
O braço recíproco da relação bidirecional entre os
sistemas neuroendócrino e imune é constituído por
mensageiros libertados das células imunes activadas,
chamados citocinas17,47.
As citocinas são pequenas proteínas solúveis secreta-
das por leucócitos, e outras células, e que têm por
função modular a resposta imune17. A resposta local
para uma infecção ou tecido lesionado envolve a pro-
dução desses mediadores que vão facilitar o influxo
dos vários tipos de leucócitos para a região atingi-
da26,47. Para além da sua acção mediadora no SI, as
citocinas podem também actuar no SN e SE, modifi-
cando as suas funções26,17,47. Assim, o estímulo
induz as células do SI a produzirem citocinas que,
em resposta, parecem actuar nos três níveis: hipota-
lâmico, pituitário e adrenal47. De forma idêntica, os
diferentes tipos de células do SN (neurónios, astró-
citos e microgliócitos) também sintetizam citocinas
e/ou respondem a elas26,47. A lista de citocinas é
longa e inclui uma variedade de moléculas cuja ori-
gem, estrutura e função têm sido revisadas.
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De forma geral, o EF agudo intenso afecta a produ-
ção tecidual e sistêmica de citocinas, especificamente
as interleucinas (IL) e o factor de necrose tumoral
(TNF), assemelhando-se à resposta inflamatória a
algum trauma ou infecção47,67.
Particularmente os EF excêntricos, os EF muito
intensos de curta duração (>100% VO2máx) ou os
intensos de longa duração (>80% VO2max por mais
de 60 min) provocam alterações metabólicas (redu-
ção da saturação da hemoglobina arterial e um
aumento na temperatura corporal) e lesões muscula-
res1,11,19,24,66. A hipoxemia e as lesões teciduais asso-
ciadas a estes tipos de exercício induzem a altera-
ções na resposta imune com libertação de citocinas
pró-inflamatórias incluindo a IL-1, a IL-6 e o TNF-
a10,12,27,65,67. Entretanto, mais estudos são necessá-
rios para afirmar se essas alterações contribuem para
imunomodulação relacionada ao exercício.
Neste sentido, a concentração plasmática de IL-1
parece aumentar significativamente em resposta
tanto a um EF de longa duração a 60% do VO2máx,
quanto a um EF de curta duração a 75% do
VO2máx11,27. Da mesma forma, um estudo verificou
um aumento de IL-1 a seguir um EF de resistência de
força excêntrico (4x10 repetições a 100% -1RM)87. A
IL-1 é produzida em resposta à infecção nos tecidos
periféricos por monócitos e macrófagos e no cérebro
por microgliócitos e astrócitos47. É suposto que a IL-
1 opere como sinal aferente, estimulando o hipotála-
mo a libertar CRH5. A sua administração aumenta
consideravelmente as concentrações de ACTH no
plasma, constituindo-se como um importante esti-
mulador do eixo HPA4,26. A IL-1 estimula a activação
de linfócitos T e induz a proliferação de células47.
Assim, o aumento da concentração desta citocina
pode estar associado à resposta proliferativa de linfó-
citos T a seguir uma carga súbita de EF.
Outro potente mediador da resposta orgânica de fase
aguda é a IL-647. Esta citocina é produzida por várias
células imunes (linfócitos e monócitos) e por células
não-imunes (condrócitos, astrócitos e células
gliais)16. A sua administração aumenta a produção
de ACTH pela pituitária, estimulando o córtex adre-
nal a libertar glucocorticóides26. A IL-6 funciona
como um factor co-estimulador da activação de lin-
fócitos T em resposta a um antigénio e é fundamen-
tal para maturação de linfócitos B2. De forma geral,
o EF associado a lesões musculares induz um
aumento transitório na concentração de IL-6 no
plasma18,33.

 Um estudo observou um aumento de IL-6 (29 vezes acima do valor basal) durante 2.5 horas
de tapete ergométrico a 75% do VO2máx88. Em homens sedentários foi relatado um aumento dos
níveis de IL-6 a seguir um EF a 75% do VO2máx por 60 min95. Moldoveanu et al46 verificaram um aumen-
to desta citocina (18 vezes acima do valor basal) em
jovens atletas submetidos a 3 horas de EF a 65% do
VO2máx. Outro estudo também verificou um aumen-
to de IL-6 no plasma a seguir um EF de força excên-
trico (100% de 1RM)87. A magnitude da resposta
depende da intensidade, do tipo e da duração do
esforço. Todavia parece não estar associada ao nível
de aptidão física individual.
Muitos dos papéis fisiológicos do TNF-a asseme-
lham-se àqueles da IL-1 e da IL-647. O TNF-a é pro-
duzido por linfócitos T, células de Kuppfer, células
neurais e células endoteliais, contudo, os fagócitos
mononucleares são os principais produtores de TNF-
a47. A presença desta citocina também está associada
ao aumento nos níveis de ACTH no sangue16. O
TNF-a induz a expressão de moléculas de adesão na
superfície das células endoteliais, promovendo,
assim, a migração de leucócitos para os locais de
inflamação47. Apesar de existir alguma controvérsia
devido ao período de avaliação dessa citocina no
plasma, muitos investigadores encontraram um
aumento de TNF-a a seguir 2 – 3 horas de um EF
intenso de longa duração (ex maratona, ciclismo)
8,19,52,64. Um estudo verificou um aumento de TNF-a
em resposta a 2 horas de ciclismo a 60% do VO2máx8.
Outro estudo observou um aumento de 90% a
seguir 3 horas de um EF aeróbico a 65% do
VO2máx46. Assim, a resposta desta citocina a um EF
parece ser influenciada pela intensidade e duração
do esforço. Todavia, mais estudos são necessários na
avaliação do papel fisiológico do aumento da concen-
tração de TNF-a em resposta a um EF.
Muitas áreas da imunologia do exercício ainda não
estão totalmente elucidadas, incluindo o padrão da
resposta imunológica do exercício agudo em outros
tecidos que não o sangue; a integração entre o mús-
culo esquelético e as células imunes; e, se, as
mudanças neuroendócrinas são transitórias após fre-
qüentes séries de EF agudo, ou se refletem adapta-
ções hormonais persistentes que também estão pre-
sentes durante o repouso.
Revista Portuguesa de Ciências do Desporto, 2002, vol. 2, nº 5 [80–90]
Exercício físico e sistema imunológico

CONCLUSÕES
Inúmeros estudos têm evidenciado alterações na concentração e na função de algumas componentes
do SI provocadas pelo exercício físico. As evidências disponíveis demonstram que o EF tem efeitos modu-
latórios importantes sobre a dinâmica de célul imunes e, possivelmente, sobre sua função.

Os factores neuroendócrinos que actuam na redistribuição de células e a libertação de citocinas em res-
posta ao exercício físico parecem mediar a relaçãoentre o SI e o EF.

Apesar dos aspectos multifactoriais e das lacunas
ainda existentes, essa nova área de investigação a
“imunologia do desporto” vem se desenvolvendo nos
últimos anos. O grande desafio dos investigadores,
portanto, seria estabelecer um modelo baseado na
intensidade, na duração, na freqüência e nos diferen-
tes tipos de esforço físico de forma a instituir o
binômio exercício/saúde.

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